quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Capítulo 2 - Primeira parte


- Estás a ver aquela? Parece um urso de peluche com um laço...
- Bem, tu tens cá uma imaginação!
- Tenta Miguel, tu também consegues. É só olhares para as nuvens e interpretares as formas delas.
- Mas para ti é fácil, Ana. Tens uma imaginação muito mais fértil que a minha...
E, na verdade, sempre assim fora, Ana sempre fora muito activa, imaginativa... parecia que andava sempre noutro mundo e essa maneira de ser um pouco misteriosa e alegre sempre fascinara Miguel.
Conheciam-se desde a escola primária e tinham sido sempre amigos inseparáveis até que, com a idade e o tempo, essa amizade fora evoluindo para um grande amor quando ambos entraram para a universidade. Aliás, encontravam-se naquele local à beira mar, precisamente, a comemorar os seus doutoramentos e a fazer planos para o futuro.
- Aquela ali parece uma foto de família. Eu, tu e os nossos filhos...
- Tu és terrível, Miguel! Eu sei que não estás a ver nada disso! Ah, ah, ah... é só para puxares esse assunto... mas foi uma boa tentativa!
- Conheces-me bem demais.... ah, ah, ah... Mas já que falamos nisso... - Miguel levantou-se e ajoelhando-se frente a Ana, levou a mão ao bolso de onde tirou uma pequena caixa de veludo.
- Ana, meu amor... queres casar comigo?
- ... Ah... nem sei o que te diga... a não ser... SIM!!!! Aceito casar contigo!
Então, Miguel introduziu o o anel no dedo de Ana e abraçaram-se e beijaram-se demoradamente.
- Venho já, amor. - Ana levantou-se e foi até à mala do carro mas, enquanto retirava da geleira uma garrafa de champanhe, apercebeu-se que algo estava terrivelmente errado. Na verdade, o carro começou a deslizar para a frente na direcção de Miguel e do mar... em pânico, apenas conseguiu gritar:
- Miguel!
Mas era tarde demais...
A última coisa que viu, foi a mesma imagem que a assaltaria noite após noite durante muito, muito tempo: o olhar aterrado de Miguel enquanto o carro o arrastava numa queda vertiginosa para a morte.
O choque, o horror e a depressão que se seguiram a este trágico acontecimento, marca-la-iam para sempre. Para Ana a vida terminara, ficara sem planos, sem objectivos para o futuro... o homem que amava como ninguém e com o qual traçara todos os planos possíveis e imaginários, fora brutalmente arrancado da sua vida, ainda por cima de uma forma tão estúpida, tão violenta...
Nunca deixara de se culpar pelo acidente, sentia que devia ter escolhido outro sítio, devia ter-se certificado que o carro estava bem travado, devia ter sido ela e não Miguel...
Os meses deram lugar a um ano e depois outro e outro... os pai de Ana enviavam-na de instituição em instituição em busca de uma cura para a sua filha. Passava as noites em claro a chorar, a soluçar. Houve até uma fase em que foi necessário colocar-lhe um colete de forças e interna-la porque destruía tudo a que deitava a mão e era agressiva com quem a tentava ajudar, tal era a sua revolta em relação ao seu destino.
Esta sua fase de revolta tornou-a uma pessoa só, uma vez que, quase todos os seus amigos a abandonaram, não conseguiam entender nem partilhar a sua dor. Ana criara um fosso, caíra num abismo de onde não havia volta.
Com a excepção de seus pais, todos a receavam. Tinham medo das suas reacções, assustava-os o seu aspecto sombrio, o seu olhar vazio desprovido de qualquer emoção... parecia uma personagem de um filme de vampiros. Emagreceu muito, empalideceu, vestia-se de preto da cabeça aos pés... tornara-se tão negra por fora como por dentro, na alma... até o seu cabelo castanho e encaracolado cheio de vida de que Miguel tanto gostava, tornara-se preto e liso como a plumagem de um corvo...

2 comentários:

Teté disse...

Há desgostos que marcam para sempre, mas uma depressão dessas, anos a fio... não sei se tem solução! (no capítulo, como na vida)

Beijinhos!

Inti, the Sun God disse...

Pois, talvez não... para o saber, temos que esperar pelos próximos capítulos.
Não percam as cenas dos próximos capítulos... Lol!

Beijinhos!